De Coimbra às Caldas da Rainha pela Costa

 

Relato de uma Ligação BTT efectuada a 19 de Outubro de 2008, por Pedro Roque

160
kms. certinhos sem acrescentar sequer mais ou menos dez metros à
distância percorrida, no passado domingo, por mim entre a zona alta de
Coimbra (Olivais) e a estação ferroviária das Caldas da Rainha.

Mais notável que o número redondo da quilometragem foi o facto não
ter havido um único engano no trajecto. É impressionante que um track
traçado em cima da “pantalha googlearthiana” por “trilhos nunca dantes
navegados” (à parte do sub-troço Coimbra – Montemor, a ligação por
ciclovia Praia de Vieira / Nazaré e daí em diante correspondente ao
traçado da semana anterior em sentido inverso) e em que tudo o resto
era “terreno virgem” não tenha obrigado a uma única inversão ou busca
de passagem alternativa. Fantástico, o GE é a melhor invenção desde o
pão de forma ou a cerveja em lata. Dois distritos (Coimbra e Leiria)
foram percorridos bem como dez concelhos (Coimbra, Montemor o Velho,
Soure, Figueira, Pombal, Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Alcobaça e
Caldas da Rainha).

É o lado cinetífico da questão já que afastamos, deste modo, grande parte da imponderabilidade tornando o risco bem calculado.

A ideia de tal incursão foi ligar Coimbra às Caldas e daí tomar a “automotora azul
até Lisboa pela linha do oeste. Curiosamente o único imprevisto
deveu-se à REFER e não a mim ou à bicicleta (esses tiveram um
rendimento digno de menção positiva). De facto, quando pensava ir até à
estação do Cacém e aí trocar para o suburbano que me levaria a Sete
Rios. Acontece que a rapaziada da REFER aproveitou o fim de semana para
efectuar reparações e a viagem ficou-se por Meleças, com um transbordo
BUS até Cacém. Obviamente que a bicicleta não cabe num autocarro cheio
e já me estava a ver a pedalar até alcançar uma das estações da linha
de Sintra. O problema não estava, obviamente no pedalar (quem faz 160
sempre pode fazer mais 3 ou 4) mas no pedalar após a sensação de
“detente” correspondente ao sentar confortavelmente numa carruagem a
ler o JN, ou seja, não apetecia mesmo nada. O que valeu foi mesmo o meu
amigo Jorge Cláudio que me desenrascou uma boleia, não até ao Cacém mas
até à porta de casa. Quem quer bons amigos… Obrigado Jorge, após 160
kms. e uma viagem de comboio que parava em todas as estações e um
atraso final de meia hora soube mesmo bem!

Mas
e a inscursão? Bem essa foi uma epopeia. De facto não são todos os dias
que se pedalam 160 kms. e acima de tudo que tudo, ou quase tudo,
concorre para a perfeição. Foi aquilo que se passou no domingo. O facto
mais surpreendente foi o de ter algum receio de poder falhar o comboio
das 19:00 nas Caldas e de, no final, ter estado uma hora e meia a
aguardar o comboio das 17:40! É verdade a “coisa” correu tão bem e o
“conjunto” entendeu-se de tal modo que a média, apesar do “pneu gordo”
ao chegar à Nazaré, ia nos 23 kms./h. (superior a 19 no final com as
serras após a Nazaré). Convirá, no entanto, referir que a altitude se
quedou por uns modestos 1700 metros e se concentrou, sobretudo no troço
Nazaré – Caldas.

A
saída deu-se pelas 06:45 após uma noite muito bem dormida e um pequeno
almoço paradigmático (3 maças, 1 sanduiche de queijo e um copo de
leite, como mandam os manuais). De facto estes dois aspectos, que
muitas vezes descuramos, podem fazer toda a diferença, sobretudo numa
quilometragem vasta ou numa altimetria extrema. Como a mudança de fuso
horário (hora de Inverno) ainda não se verificou os primeiros
quilómetros foram feitos na escuridão (o display do GPS só passou a
“daylight” às 07:48). Nas bem iluminadas ruas de Coimbra não se nota
grande coisa mas na estrada junto ao Choupal, a total escuridão (apenas
atenuada pelos leds da lanterna frontal) em conjunto com um nevoeiro
cerrado, o arvoredo e as corujas a darem um toque fantasmagórico.
Estava a ver quando é que o conde Drácula saia detrás de um arbusto.
Mas nada de sobrenatural aconteceu e aquela estrada plana até Montemor,
apesar do bréu inicial, foi percorrida num ritmo perto dos 30 kms. / h
pois tinha de aproveitar as facilidades enquanto podia. Ainda antes de
Montemor o dia já tinha despontado e transpûs o curso novo do Mondego entre Ereira e Verride. Foi o final do percurso em direcção a poente. Começava agora a direcção SW.

Aqui,
transposta a ponte e a linha férrea (linha da Figueira da Foz)
acabaram-se as facilidades. De facto internei-me na serra que me
conduziu a Abrunheira e começam as primeiras subidas do dia num piso de
terra em bom estado de conservação. A paisagem, apesar da névoa, a
revelar-se de grande beleza. Foi tempo de descer, após Cerejeira, até
aos arrozais do Rio Pranto, subsidiário do Mondego não sem antes atravessar a via férrea (linha oeste) junto às antigas termas da Amieira.

Transpostos
os arrozais passei também por debaixo do viaduto da A17 sempre por
estradas secundárias e com velocidades interessantes durante alguns
quilómetros até perto de Paiões junto à Fonte das Carriças.
Neste local havia que subir acentuadamente a serra e o eucaliptal por
um piso fortemente degradado. Duas velhotas transportavam garrafões com
água, acabados de encher e ficaram estupefactas quando me viram a
abordar a subida tendo uma delas gritado para eu desmontar já que, caso
contrário, “rebentava com o coração!”. Ao som das suas vozes venci os
derradeiros metros ascensionais e alcancei Paiões, localidade do
concelho da Figueira. Depressa percorri as ruas de asfalto e segui por
caminhos secundários previamente escolhidos no GE.

Seguiram-se
Franco, Casal da Seiça, Cagarata e Matos antes de cruzar a movimentada
EN 109 que liga Leiria à Figueira. A partir daqui é o reino do Pinhal.
Entrei então na extraordinária Mata Nacional do Urso e o percurso vira
agora, maioritariamente, para sul. Segui sempre pela estrada
(pavimentada mas com um piso muito degradado) que acompanha um aqueduto
e gasoduto subterrâneos durante muitos quilometros até me cruzar com o
acesso à praia do Osso da Baleia (nomes curiosos quer o da mata, quer o da praia).

Após
este ponto a repetição do anterior asfalto degradado pelo meio do
pinhal quilometros a fio para sul até chegar aquele que considero o
ponto alto da incursão: a lagoa do Ervedal.
Situada a meio da travessia (perto do km. 80) correspondeu a uma
alteração do mesmo; em primeiro lugar por ser o ponto correspondente a
50% do percurso e onde aproveitei para fazer a primeira paragem (o que
atesta bem sob o ritmo que o terreno permitiu), depois porque o sol
despontou vencendo, finalmente, a névoa, depois porque aproveitei para
repor energias, descansar, relaxar e livrar-me do excesso têxtil que me
protegera do frio (na verdade apenas umas perneiras de ciclismo). O
local é paradisíaco. Se ainda não o conhecem digo-vos que merece um
desvio. Tem um passadiço em madeira ao longo da margem poente com uns
bancos. Num deles aproveitei para compor o corpo da postura de várias
horas em cima da bicicleta.

Entrei
na Mata Nacional de Pedrógão e pelo meio do pinhal (embora por asfalto)
segui em direcção à Praia da Vieira de Leiria. Não sei antes transpôr a
ponte do Lis e seguir pela sua margem esquerda até perto da foz, na
Praia de Vieira.

Aqui
começa a grande ciclovia da Estrada Atlântica que nos irá conduzir, de
modo quase ininterrupto, até à Nazaré, passando por São Pedro de Moel
para depois seguirmos pelas serras e pela Lagoa de Óbidos até às Caldas
num percurso inverso ao descrito na semana passada.

Obviamente
que, após a Nazaré, com as dificuldades que o relevo passou a
apresentar e com o “binómio” francamente adiantado relativamente às
perspectivas iniciais, foi tempo de poupar o tónus nas subidas de molde
a chegar ao final em muito razoável estado de conservação.

Mais
uma grande jornada e a sensação nítida e gratificante da subida de
forma. Pena que a Hora de Inverno venha aí ditando as suas leis e
dificultando, sobremaneira as travessias e as grande quilometragens.